Egomaniacos da transcendência


União, integração e...EGO!

Uma reflexão sobre o Yôga e os Yôgins, e a vida social.

(Este autor desde já esclarece que o tom irónico e até jocoso de algumas partes em nada pretende retirar o valor ao Yôga ou aos Yôgins. Afinal, sou um deles! A brincar se dizem coisas sérias. E o que seria se não conseguirmos rir de nós mesmos! Não se melindre.)


A transcendência

Yôga é uma filosofia de vida pratica (técnica) que visa levar ao … Yôga!


Yôga é um estado de consciência de…Yôga!


Yôga é União. União no sentido de integração. Integração no todo. Com tudo e todos, com todos os aspectos da natureza, união de todos os aspectos da consciência, numa Unidade, sem princípios nem fins. Integração numa realidade que simplesmente…é!
Pois. Simplesmente é! É. E daí?

Continuando…


No estado de consciência de Yôga o ego dissolve-se na Unidade. A personalidade deixa de fazer sentido como algo separado e diferente de tudo o resto. Não mais há o eu, o ego, separado e isolado. As identidades dissolvem-se pois integram-se numa coisa só: o ser. Ser que existe em recriação permanente, numa mudança sem principio nem fim, sem sentido para além disso memso, uma existência que “simplesmente é”!No estado de Yôga…


Ainda mais transcendente: o Yôgi identifica-se como sendo, não essa realidade, mas sim a consciência dessa realidade, e a observa. “Simplesmente a contempla”. A realidade é, na verdade, a própria consciência da realidade!Que profundo! Que metafísico!Nesse estado de consciência transcendente, o Yôgi liberta-se de todas as angústias do mundo egóico, fenomenal e efémero. Nomeadamente da solidão e da morte. Afinal, ele é tudo, é pleno e infinito! É a própria consciência do todo infinito! Ele simplesmente é. Existe. Através de um mergulho em si mesmo, por aceder ao conhecimento (à consciência) do que é, o Yôgi realiza, em si mesmo, mais do que qualquer ideologia utópica alguma vez sonhou, definiu e realizou!

Que bonito! Que tentador!


Sim. Tudo isso é lindo. E real. Isso é tão real como transcendente. Tão verdadeiro como intangível.O que é tangível são os fenómenos, as mudanças, as diferenças, os nomes, as personalidades. Os egos.


O EGO

O Ego. A consciência egoísta.


A nossa real identidade (que “simplesmente é”) pode ser absolutamente "livre", mas na realidade social a liberdade é limitada e condicionada pela liberdade dos outros. Ou seja, pelo nosso PODER em relação ao dos outros.


Em sociedade, para os outros, sou o António Matos (um chato do pior!).


O ego identifica-se como algo diferente e separado, o Eu.


Aquele eu que identificamos como algo distinto, autónomo e individual. Que usa nomes próprios e tudo: António; Portugal; Toyota; orquídea; Microsoft; Benfica; etc…


Na vida em sociedade é o Ego que é reconhecido. Para os outros(egos) o que existe é o ego. E o ego é…egoísta!

O ego vive apavorado com a sua efemeridade, a que chama morte. Atormentado por ser absolutamente descartável pela Vida que o comanda. Sempre atrás de prazeres que são tão limitados como o sofrimento é garantido. Pois a Vida é dinâmica, é mudança, é recriação. E a dinâmica estimula-se pela interacção de opostos. É paradoxal. A Vida precisa que os egos se achem diferentes e que se antagonizem. Se combatam energicamente para sobreviver. A Vida vai-se alimentando dos egos para ela própria continuar a viver…E assim os egos alimentam e se alimentam dos dualismos dialécticos. E são tão mais vivos quanto maior for a energia libertada pelas suas fricções. Tudo acaba por se equilibrar todos naquilo a que chamamos evolução. E por maior que seja o esforço ele acaba sempre na grande dissolução a que chamamos morte.


É triste ser ego. Mas para o ego, ser ego é irresistível!


Ser ego é ser só parte. É ser contraditório, instável e efémero. É ser mortal. É ser inacabado, condicionado, insatisfeito e dependente. É estar isolado nos dualismos em que se desdobra. É não compreender e não ser compreendido. É procurar sempre encontrar-se mas não ter meta onde parar. E procurar sempre integrar-se e ser coerente e nunca o ser. É ansiar por aquilo que nunca é: completo, integro. É querer suplantar a sua própria condição e quando o consegue percebe que não havia nada a ser suplantado. É ser iludido. É ser a sua própria ilusão! E é isso que nós todos somos uns para os outros, em sociedade.

E os Yôgis que já transcenderam o ego?

O Yôga serve para transcender o ego. SER Yôga é ser algo além do ego. Mas o ego continua a existir!!!

Os iluminados são diferentes em quê? Como é a transcendência tangível e susceptível de ser reconhecida e valorizada?

Diria que a procura de diferenças, de utilidades e reconhecimento é um sinal óbvio de...egoísmo!

A transcendência é…transcendente! Não se concretiza.

O que existe em sociedade são egos. O ego continua a existir, sendo a sua própria ilusão. Os Yôgis transcenderam o ego, não o destruíram ou anularam, ou abandonaram. Os Yôgis continuam a TER um ego, através do qual se expressão. Mesmo que não se identifiquem como sendo isso. E é esse ego que é participante do mundo, com as suas perspectivas, limitações e objectivos. Posso ser iluminado, mas quem participa em sociedade e é reconhecido e valorizado (mesmo que negativamente) é o António Matos. Não o “simplesmente é”!

Mas então qual a relevância social da iluminação?

R:Não tem!

Repito: Transcendente é transcendente! Não é algo do mundo fenoménico.


A filosofia não serve para nada. Não resolve nada. Não é útil. Mesmo que a útilidade seja algo ilusório...

Por isso alguns Yôgis vão para uma gruta na montanha, tornam-se eremitas e procuram que o seu ego participe o mínimo possível da Vida. Transcendem o ego e demitem-se da Vida. Fazem tudo o que é possível para fazer o mínimo possível! Para não chatear e não se chatearem (de certa forma mantém algo de egoísta). O que queriam mesmo seria simplesmente contemplar a própria existência, mas têm que aguentar também o existir!

Outros fazem algo parecido mas mantendo-se mais dentro da civilização. Afinal, tudo é natureza (Prakriti), montanha ou cidade! Para quê esperar a grande dissolução sozinho e pobre. Ao menos ainda desfrutam qualquer coisa pelo caminho.

A maioria, no entanto, faz opção diversa. A maioria opta pela via…egoísta! Há muitos que têm (ou adoptam) uma visão teleológica da evolução. A ideia de progresso. Acham que todos estamos a progredir para alguma coisa. Para uma iluminação geral, ou coisa que o valha! (o que é contraditório com o conceito de transcendência: “simplesmente é, sem principio nem fim…”) Logo o seu conhecimento iluminado é fulcral para continuar e acelerar esse processo. Por valorizar tanto o seu conhecimento querem partilhá-lo e expandi-lo, para que mais egos se libertem também. Muitos tornam-se instrutores de Yôga.

E também há muitos que não são movidos por tão nobres ideais. Simplesmente gozam do poder que os conhecimentos adquiridos sobre si e sobre o mundo lhe conferem. Aí o conhecimento transcendente acaba por servir para reforçar o próprio ego! (Tudo isto é paradoxal) O facto de já não se identificarem como sendo o ego permite que o tratem com menos medos. Afinal, não é sobre si que as consequências kármicas recaem! É fácil lançar o ego numa consolada libertinagem, soltando-o de preconceitos e limites e permitindo que ele se satisfaça em desejos e sonhos tão reais como ele próprio! (Por isso o Yôga deve ser precedido de uma estruturação ética do Yôgin).

Independentemente das boas intenções, ou falta delas, os “transcendentes” têm e usam o seu ego. Ou são usados por ele…Aliás: a própria vontade de transcender as limitações do ego costuma ser uma ambição bastante egoísta!

Enfim...

É engraçado observar como cada um lida com todos estes conceitos (União, liberdade, ego, etc.), especialmente no próprio contexto do Yôga. É muito comum neste meio ver gente contra tudo e todos, sempre prontos a disparar uma histérica acusação de ego e condicionamento em relação a qualquer afirmação que se faça. Qualquer coisa, especialmente que tenha a ver com regras e ordem social, já pode contar com alguém do contra. Sempre em nome da liberdade claro. Qual liberdade, ou de quem? Sabe-se lá…deve ser a do Yôga, a transcendente!


As pessoas ( os egos) têm uma necessidade enorme de serem ..egos! Necessidade de se sentirem especiais, livres, felizes, etc. A vaidade é inabalável. A necessidade de reconehcimento imperativa. Até se encontra beleza e liberdade profunda em grandes nada, tais como o "simplesmente ser"...

Outra coisa bastante interessante são os casos que anunciam a viva voz a sua libertação/iluminação: “Sou Uno; Simplesmente sou; Sou livre; Sou livre; Sou livre; …”! Pronto, ok. Está bem, está bem, já se ouviu. Não se percebe se é apenas uma necessidade incontrolável de exibir a liberdade, ou se simplesmente se estão a tentar convencer a eles mesmos! O que é certo é que ninguém gosta ouvir. Ou por inveja ou por decoro…

Aliás, embora o Yôga deva servir para atingir a transcendência, parece “ficar mal” ter pretensões a isso. Só o pretendê-lo já é mais do que suficiente para ouvir a pior e mais comum das acusações: é ego!

Assim, a pratica do Yôga deve ser feita com objectivos menos égoicos, mais humildes: tratar do corpo tornando-o excepcional, emagrecimento, terapia, bem-estar “corpo e mente”, concentração para melhor produtividade, etc. Mas… utilidades, corpo e produtividade não são coisas do ego? Não compliquemos! A prática está na moda, isso é que interessa!

Os instrutores de Yôga.
(grandes, médios e pequenos e invisíveis, não vá alguém sentir-se excluído!)

Os grandes Mestres, no fundo, são grandes egos! São pessoas em volta das quais se geram muitos fenómenos: eventos; livros; seguidores; movimentações económico-financeiras; colegas e parceiros; polémicas e inimigos; construções; conhecimentos; etc. Basta olhar para alguns nomes mais conhecidos: DeRose, Sivananda; Aurobindo; Vivekananda; e muitos outros. (sim a lista poderia incluir muitos outros, de vários tipos, linhas e tendências, mais recentes ou antigos…é uma pequena lista pessoal.). Eles são conhecidos e grandes por serem acontecimentos de maior! Outros instrutores são médios e pequenos pelo respectivo impacto no mundo. É o Karma que se contabiliza, não a transcendência! O facto de serem considerados grandes Mestres (no mundo dos egos não há unanimidades) tem a ver com reconhecimento e influência social. Não garante nem impede qualquer tipo ou grau de iluminação. A iluminação dos outros é uma questão de fé para cada um. Há grandes Mestres que são considerados iluminados por muitos e considerados charlatães por outros tantos. Outros que nunca ouvimos o nome vivem grandes Moksha! Iluminação e reconhecimento não têm causa directa.

O bom instrutor de Yôga:

Em sociedade cada um vale por aquilo que tem para dar aos restantes. O bom instrutor é o que ajuda os outros na sua própria evolução em direcção aos objectivos pretendidos. Seja através de inspiração, orientação, amor ou simplesmente fé. E como vivemos num mundo de dualidade, fazer algo é também fazer algo contra! Há sempre quem não aprecie e antagonize.

E tudo isto a propósito de quê?

Nada de especial.

Ou, talvez isto…

(Esta é a parte jocosa e ácida. Não tem grande piada mas é para rir. Não leve demasiado a sério)

Quando os caros colegas e amigos, especialmente instrutores de Yôga, quiserem mandar os seus “bitaites” acerca de algum assunto de Yôga, especialmente se tiverem intenções de fazer julgamentos sumários e moralistas, antes de dizerem umas banalidades tão bonitas quanto inconsequentes sobre sermos todos unos e livres, e não haver barreiras, bláblábláblá… pensem no seguinte: se todos e tudo são unos então não se devem importar que eu namore com as vossas namoradas, afinal somos todos um, e comer-me a mim é o mesmo que beijá-la a ela! E também não se devem importar que eu passe a escrever textos e no vosso blog, afinal não há meu nem teu, é tudo ser integrado, e é anti natural-espiritual formar barreiras artificiais! E já agora, vocês pagam-me parte da renda da casa, e eu da vossa (não têm? Não faz mal, eu compenso vestindo as vossas roupas) e cada um vai aparecendo para dormir sem ter de dar qualquer tipo de satisfações e se encaixar em qualquer ordem! Isso seria divisionário, coisa do ego, inadmissível! Com certeza são tão livres e desapegados das coisas materiais que as vossas aulas e cursos são grátis! Não faria sentido cobrar por algo de valor espiritual inestimável. Assim como a vossa alimentação, que devem estar prestes a dispensar, já que isso é de seres dependentes e mundanos! Não vamos matar outros seres só para manter o nosso ego. E já agora também deixem de dizer mal do Bush, da América e dos bodes espiatórios em geral(e de qualquer coisa aliás) pois “tudo o que está aqui está em todo o lugar, e o que não está aqui não está em lado nenhum”. Ou seja, dizer mal do Bush, por exemplo, é dizer mal de vocês mesmo, pois o Bush está dentro de vocês, e vocês estão dentro do Bush…Pegar frases feitas e dizer balelas bonitas é fácil. Mas é oco e costuma ser incoerente e hipócrita. Os jogadores e treinadores de futebol também o fazem regularmente. Dos meus colegas do Yôga espero um pouco mais.

E se nada de interessante têm para dizer então deixem que seja o silêncio a falar por vocês. O silêncio costuma ser tão eloquente! Aliás, eu próprio também devia estar mais calado.

Já chega. E sobra!

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