Yoga: a luta pela diferenciação



No mundo do yoga observa-se frequentemente, e intensivamente, o seguinte padrão de pensamento binário:
Verdadeiro - Por um lado os yogins consideram que o seu yoga é o verdadeiro, autentico, legitimo, tradicional, antigo, etc. “Eu não invento nada, apenas vivo e passo o yoga autêntico como me foi passado a mim, sem por nada meu.”

Falso - Por outro lado consideram que o yoga dos outros, o yoga diferente do seu, é um desvirtuamento, uma deturpação, uma invencionice. Usualmente este yoga diferente é catalogado de moderno, contemporâneo, desmembrado, simplificado. E considera-se este yoga ilegítimo, claro.

O problema é que os vários tipos de yoga se consideram igualmente de…yoga! Perante o público leigo, o mercado (ou seja $$$), todos se apresentam com o mesmo rótulo: yoga.

E se isso gera confusão, algo ainda mais visceral é gerado quando os professores em causa, os profissionais, que vivem do yoga, perante a comparação, acham que estão a ser desfavorecidos. Desfavorecidos em quê? Em atenção e reconhecimento. Mais concretamente desfavorecidos em numero de alunos nas suas aulas e cursos, em apreciação pelo dono da academia onde trabalham, em dinheiro ganho.

Essa reacção visceral atinge os pícaros da indignação (irritação mesmo) quando os professores de yoga vêm corporações capitalistas que nada têm a ver com o yoga a usar a sua imagem (paz, serenidade, bem estar, etc), sem pudores, para vender os seus próprios produtos e a ganhar milhões com isso. E eles continuam (relativamente) pobres e desconhecidos.

E claro, os que acreditam que são portadores do “verdadeiro yoga” sentem-se os verdadeiros donos do yoga (embora jamais o digam. Mas deixam-nos escapar quando rugem contra o uso indevido do “nosso estilo de vida”, da “nossa herança cultural”). Portanto sentem que o uso da palavra e imagem do yoga pelas corporações ou pelos "yogas deturpado"s é um verdadeiro roubo.

E perante isto ladra-se. Berra-se. Ás vezes com educação e serenidade, para “esclarecer”, outras vezes rugindo como cão esfomeado. E quase sempre com o coração, porque estamos a falar de convicções profundas, crenças.

Se os professores de yoga, do “yoga verdadeiro”, se sentem donos do yoga, obviamente acham que não devem ser eles a abdicar da palavra-rótulo yoga para efectuar uma diferenciação. Pois se a palavra é deles! Os outros, que deturpam e usam ilegitimamente a palavra é que deveriam abdicar dela.

E perante isto ladra-se. Berra-se. Quase nunca de uma forma tão assumida e clara como estou aqui a enunciar.
Aliás, por falar em assumir-se…

Os que se consideram veículos (e donos) do “yoga tradicional autentico” também não são muito assumidos, muito embora falem muito em auto-conhecimento. Por exemplo raramente assumem que têm uma visão essencialmente religiosa do yoga. Porque religião, como yoga, é um rótulo, um rótulo que neste mundo gosta de se evitar. Prefere-se dizer que é uma cultura… O que raios é uma cultura? Depois de tantos séculos a falar intensamente de cultura pode ser qualquer coisa, tudo é cultura, é cultivado, é obra do espírito humano. Cultura é um generalismo, vazio de sentido, que é usado como subterfúgio para esconder a religiosidade profunda de muitos “yogas legítimos”. E embora quase todos os tipos de yoga, “autênticos”, se organizem como pequenas grupos, pequenas seitas, tal e qual como na Índia tradicional, nunca o assumem. Seita é mais um rótulo, usado para diferenciar negativamente os demais, os “yogas deturpados”, os dos outros.

E nestas lutas pela diferenciação, na busca de atenção e reconhecimento, para “esclarecer”, para “defender a verdadeira tradição”, os yogins, ou melhor, os profissionais, lutam entre si, sem armas de fogo, mas com fogo na língua. Lutam muito, e querem ser diferentes, e acabam por denotar todos os seus egoísmos e sectarismos, dos mais comuns, demonstrando ser iguaizinhos a todos os que criticam, iguaizinhos ao mais comum dos seres humanos, condição que querem transcender. Sim, porque embora esteja na moda dizer que o yoga apenas revela quem já se é, na pratica quase todos vendem praticas e uma imagem de saúde, bem estar, serenidade, plenitude, sabedoria, a ideia é transmitir que se possuí um Conhecimento fantástico que liberta, é paz, é felicidade, é existência plena e eterna. Precisamente o que se nota que os yogins não têm quando começam a querer diferenciar-se, a achar-se donos de uma cultura, a indignar-se perante o suposto roubo da mesma.

E claro, influências do Advaita Vedanta, yoga é União-Integração. Toda esta diferenciação se faz em nome do Uno indiferenciado, todas estas lutas são em nome da paz! A paz está sempre a jeito quando se trata de justificar as guerras!

Será que Brahman está restricto e apegado a uma língua, a um mestre, a uma seita ou tradição? Atman Brahman tem favoritos, é sectário, tem gostos e desgostos? Em Brahman há pecado? Sexo é sujo? Os "vendedores sem pudores de yoga deturpado" não serão também Atman-Brahman? Brahman precisa de ser defendido? Pode ser atacado?

Se alguém é yogin, e está realmente num processo de recolhimento, de isolamento, renuncia e extinção, que procura refrear-se da exteriorização e suas lutas dualistas, porque raios se importa com o que os outros vendem e ganham?

Sinceramente, que me perdoem professores amigos, que julgo extremamente competentes e honestos, dos quais gosto, com os quais gosto de aprender, os quais sei que agem por convicção, mas isto não é lutar pela “tradição”, nem pelo “verdadeiro yoga”. É apenas lutar pelo seu quinhão de atenção e por pagar as contas ao fim do mês. Se alguém se dedica realmente a identificar-se com o absoluto está preocupado em diferenciar-se, defender-se e lutar contra o seu semelhante porquê? Em nome do yoga?!?

1 comment:

Anonymous said...

...claro, porquê, porque os Mestres da Índia não estão nem aí para esses Yogas contemporâneo que parece que prefere, ao Yoga tradicional da Índia, que eles preferem....já diria Pantañjali há +-2300 anos. É claro que ele também dizia, que o ego é o principal obstáculo à evolução do "Yogin"...